NOTA PÚBLICA DA REDE CIDADES UFMG SOBRE O CONFLITO SOCIOTERRITORIAL NA REGIÃO DA IZIDORA
Neste momento em que o conflito socioterritorial na região da Izidora, em Belo Horizonte, envolvendo três ocupações urbanas Rosa Leão, Esperança e Vitória, ganha destaque pela ameaça de cumprimento de mandado de reintegração de posse e desocupação forçada de seus moradores, a Rede Cidades UFMG vem a público manifestar sua posição. A Rede Cidades UFMG reúne professores pesquisadores de diversas áreas do conhecimento (Antropologia, Arquitetura e Urbanismo, Ciências do Estado, Comunicação, Direito, Economia, Educação, Engenharia, Geografia, Psicologia, Sociologia) que desenvolvem projetos de Extensão, Pesquisa e Ensino envolvendo problemáticas ambientais e sociais, moradores associados na luta por moradia e ocupantes de territórios socioespacialmente conflituosos na cidade de Belo Horizonte, na Região Metropolitana e no Estado de Minas Gerais.
É sabido que a região da Izidora, localizada no vetor norte da capital mineira, é alvo de emblemática disputa, envolvendo, por um lado, Estado e mercado imobiliário, por meio de projeto urbanístico relacionado à Operação Urbana do Isidoro, e, por outro lado, outras formas de produção do espaço, realizadas pelo Quilombo dos Mangueiras e pelas ocupações urbanas Rosa Leão, Esperança e Vitória.
As questões socioterritoriais da Izidora dialogam com processos mais amplos de produção das cidades periféricas, no Brasil e no mundo. Vive-se a intensificação de um modelo de vida urbana pautado por planejamentos uniformes, pela institucionalização de um mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais efetivas. Nesse contexto, desigualdades socioterritoriais são acentuadas e populações vulneráveis são excluídas da cidade, comumente desabrigadas ou tendo que arcar com os pesados custos de aluguel.
No caso específico, a região da Izidora envolve uma área cuja extensão chega a 10 milhões de m², constituída por um dos maiores parques urbanos do mundo, com cerca de 250 nascentes, e que abriga milhares de famílias que, de forma autogestionada, consolidam modos de vida, buscando escapar do deficit habitacional e do alto valor dos aluguéis e produzindo inclusão na cidade. Desde 2000, o poder público municipal pretende urbanizar a área por meio de uma Operação Urbana Simplificada. O projeto urbanístico proposto envolve a implantação de sistema viário de grande porte, do programa habitacional do Minha Casa Minha Vida/FAR, com aproximadamente 11 mil unidades e o loteamento do território para absorver forte adensamento populacional e diversas atividades econômicas.
A Rede Cidades UFMG vem debatendo o caso e a partir de estudos e análises que envolvem diversos campos do conhecimento, destacamos elementos centrais para a compreensão e discussão do conflito socioterritorial na Região da Izidora:
– O Poder Público desconhece quem são os sujeitos, individuais e coletivos, ocupantes da região, seus modos de viver, as relações que estabelecem com o espaço público e com a cidade, suas principais demandas e necessidades, assim como suas histórias e trajetórias. O anúncio da remoção não foi acompanhado de amplo acesso a um plano adequado de reassentamento e que envolvesse ampla participação das famílias. Desconsiderou-se a consolidação dos ocupantes no território, já que estes não tiveram condições prévias que lhes permitissem reorganizar a existência material e afetiva. Apesar de constituída uma mesa estadual de negociação das condições das ocupações urbanas e rurais no Estado de Minas Gerais por sugestão dos movimentos sociais e ocupações, a PBH tem se negado a dialogar com os moradores da região, impedindo sua efetiva participação na construção de uma proposta digna para os mesmos e nos processos decisórios relativos ao empreendimento proposto por uma empresa, em parceria com poder público municipal. É de conhecimento público que os processos de remoção e reassentamento devem ser feitos com a participação direta das pessoas envolvidas. Caso contrário, constituem-se em violação radical aos direitos dos sujeitos envolvidos.
– O instrumento da Operação Urbana Simplificada é equivocado para urbanizar área de grandes proporções territoriais e de virtualidade ambiental emblemática. Além disso, esse instrumento urbanístico negocial deve envolver um justo equilíbrio entre vantagens oferecidas pelo Poder Público Municipal ante a flexibilização de parâmetros e as contrapartidas obrigatórias aos particulares beneficiados. No caso da Operação Urbana do Isidoro há evidências de que esse equilíbrio está sendo violado e as compensações privadas estão aquém do necessário para arrecadação do Fundo que reinvestiria o benefício em infraestrutura técnica e social na área;
– Em relação à implantação de 8896 unidades habitacionais em prédios sob a forma-condomínio, proposto pelo Programa Minha Casa Minha Vida/FAR, há uma solução única de projeto arquitetônico e urbanístico independente da complexidade espacial advinda do maior número de unidades em um mesmo conjunto, das condições bioclimáticas do local, das características das moradias de origem dos beneficiários (geralmente individualizadas e horizontalizadas, com a presença de áreas internas e externas de sociabilidade, produção de alimentos e geração de renda) e dos diversos perfis sociais dos moradores;
– A avaliação do sistema construtivo, relatado na Licença de Instalação do empreendimento, se deu a partir de um único critério – não produção de resíduos – desconsiderando outros impactos ambientais como a grande movimentação de terra advinda do próprio sistema construtivo eleito;
– Há a indicação do abastecimento de água por meio do Rio Paraopeba na mesma licença, sabidamente comprometido, para quase 9000 unidades habitacionais MCMV/FAR (apenas na primeira fase do empreendimento) em um contexto de crise hídrica reconhecida pelo município, pelo Estado e pela Copasa.
A despeito do marco regulatório internacional e nacional sobre o direito à cidade, o projeto público de urbanização da Izidora tem transcorrido sem a necessária gestão democrática do processo de produção de cidade, avançando de forma a consolidar um modelo excludente de cidade e ampliando a desigualdade socioterritorial no município. A Declaração Universal dos Direitos Humanos fixa a moradia como um direito universal; a Relatoria Especial da Organização das Nações Unidas para o Direito à Moradia Adequada destaca os seus aspectos culturais e sociais; a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 6º, a elenca como direito social e, por meio da lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, a moradia relaciona-se ao direito à cidade, em especial pela enunciação do princípio da função social da propriedade. A moradia representa lugar de segurança e pertencimento, além de espaço de referência para circulação na cidade. Quando se viola este direito, portanto, uma série de direitos fundamentais são violados.
Diante do que foi exposto, a Rede Cidades UFMG posiciona-se a favor da suspensão da desocupação forçada dos moradores da Região da Izidora.
Belo Horizonte, 08 de julho de 2015.
Comentários