A Operação Urbana é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Executivo Municipal, com a participação de agentes públicos ou privados, com o objetivo de viabilizar projetos urbanos de interesse público. classificando-se em Operações Urbanas Simplificadas e Operações Urbanas Consorciadas.

A Operação Urbana Simplificada, sempre motivada por interesse público, destina-se a viabilizar intervenções tais como: tratamento urbanístico de áreas públicas; abertura de vias ou melhorias no sistema viário; implantação de programa habitacional de interesse social; implantação de equipamentos públicos; recuperação do patrimônio cultural; proteção ambiental; reurbanização; amenização dos efeitos negativos das ilhas de calor sobre a qualidade de vida; regularização de edificações e de usos; requalificação de áreas públicas.

Operação Urbana Consorciada (OUC), foco de investigação do grupo, é um instrumento de planejamento urbano previsto no Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257/2001) que tem por finalidade promover transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental em áreas urbanas definidas pelo Plano Diretor municipal. Para serem implementadas, as Operações Urbanas devem ser aprovadas por uma lei municipal específica que, além do Plano Urbanístico da Operação Urbana, deve conter no mínimo a definição da área a ser atingida, programa básico de ocupação da área, programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação, finalidades da operação, estudo prévio de impacto de vizinhança, contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados e forma de controle da operação obrigatoriamente compartilhado com representação da sociedade civil.

Definição de Operação Urbana na Lei Federal nº 10.257/10 (Estatuto da Cidade). Art. 32. – Lei municipal específica, baseada no plano diretor, poderá delimitar área para aplicação de operações consorciadas. 1º – Considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Definição de Operação Urbana Consorciada na Lei Municipal de Belo Horizonte nº 7.165/96 (Plano diretor de Belo Horizonte) Art. 69Operação Urbana Consorciada é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Executivo Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e valorização ambiental, podendo ocorrer em qualquer área do Município.

COMO FUNCIONA UMA OUC

Em qualquer área delimitada na cidade, o Poder Público Municipal pode modificar características de parcelamento, uso e ocupação do solo, normas edilícias e até mesmo regularizar edificações existentes. Os proprietários e o mercado imobiliário envolvidos na Operação devem pagar uma contrapartida, em dinheiro ou títulos conhecidos como CEPAC, pelo benefício recebido. A contrapartida é calculada em função do Coeficiente de Aproveitamento máximo do terreno e o valor da área adicional determinado pelo ITBI.  Esses certificados de potencial adicional de construção (CEPAC) emitidos pelo Município, são alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras da Operação. O potencial construtivo adicional é convertido nos títulos do CEPAC, que podem ser negociados livremente e depois convertidos no direito de construir áreas acima do potencial até o limite fixado pela lei específica que aprovar a Operação. O lançamento dos CEPACs permitiria que a Prefeitura angariasse recursos rapidamente na fase inicial das obras, evitando o comprometimento do orçamento municipal. No entanto, Ferreira e Fix (2001) entendem que os títulos podem ser muito mais benéficos para os investidores privados do que para os cofres públicos pois criam a desvinculação entre a compra de potencial construtivo e a posse do lote, o que gera “um novo tipo de especulação imobiliária, ‘financeirizada’“ (FERREIRA; FIX, 2001). Quem possuiu capital disponível durante o lançamento dos CEPACs pode comprá-los, mesmo sem possuir um terreno na área, e aguardar a valorização decorrente das obras da operação. O problema é que, sendo um título, o CEPAC só será interessante se apresentar possibilidade valorização e, para tanto, deve ser emitido em áreas de interesse prévio do mercado imobiliário. Soma-se a isso a impossibilidade de realização de obras menos lucrativas, como habitação de interesse social, nas operações urbanas, uma vez que tais obras reduziriam a valorização dos títulos. Dessa forma, corre-se o risco da especulação imobiliária ser institucionalizada como elemento motivador da renovação urbana.

Como já dito antes, Operação Urbana Consorciada é um instrumento de política urbana para a realização de parcerias público-privadas previsto no Estatuto da Cidade. Seu objetivo é a transformação estrutural de um setor específico da cidade por meio da implementação de um projeto urbano. As OUCs, financiadas por investimentos públicos e privados, envolvem o redesenho desse setor e devem constituir uma parceria entre poder público, proprietários, investidores privados, moradores e usuários permanentes. No Brasil, a ideia das operações urbanas enquanto instrumento urbanístico teve influência das experiências de parcerias público-privadas realizadas na Europa e nos Estados Unidos a partir dos anos 1960. No caso brasileiro, as primeiras propostas de operação urbana surgiram na década de 1980, momento que coincidiu com o processo de redemocratização do país. A demanda pela criação desse novo instrumento partiu de quatro matrizes simultâneas: a falta de recursos públicos para realizar investimentos de transformação urbanística das áreas, a convicção de que investimentos públicos geram valorização imobiliária que pode ser captada pelo poder público, a convicção de que o controle do potencial construtivo era a grande “moeda” que o poder público poderia contar para entrar na operação e a critica às estratégias correntes de controle de uso e ocupação do solo no sentido de sua incapacidade de captar singularidades e promover redesenho ou, em outras palavras, urbanismo (BRASIL, 2002, p. 80).

As OUCs, pela forma como vem sendo utilizadas, transformaram-se num instrumento polêmico. Em São Paulo, por exemplo, sua utilização produziu um modelo de cidade que satisfaz aos interesses do capital imobiliário internacional “reproduzindo e agravando problemas sociais” (MARICATO; FERREIRA, 2002).

Fonte: CHAGAS, Fernanda. A Parceria Público Privada na Produção do Espaço

Apesar disso, o instrumento é defendido por agentes de direita e esquerda, por setores alinhados a causas sociais e setores empresariais. Maricato e Ferreira (2002) apontam possíveis causas para essa capacidade de atender a agendas políticas opostas: a maioria das nossas grandes cidades está imobilizada do ponto de vista financeiro. Associe-se a isso a falência do paradigma de planejamento modernista/funcionalista e a força ideológica dos argumentos neoliberais, e entende-se porque a efetivação de parcerias com a iniciativa privada passa a ser vista como uma tábua de salvação para muitas prefeituras, sejam elas conservadoras ou progressistas (MARICATO; FERREIRA, 2002).

Para aqueles autores a OUC, assim como todos os instrumentos urbanísticos, é neutra e é o seu detalhamento no Plano Diretor que define como e com quais objetivos ela será utilizada. No entanto os próprios autores reconhecem a oposição entre discurso e prática que permeia a aplicação de leis no Brasil. Em teoria, as Operações Urbanas se mostram como um instrumento capaz de gerar melhorias sociais, garantir a função social da cidade e coordenar os diversos agentes produtores do espaço num processo democrático. Na prática, “é inegável que no caso das Operações Consorciadas a iniciativa privada ganha um papel de destaque, pelo volume de capital de que dispõe, em relação a um Estado pouco ágil do ponto de vista financeiro” (MARICATO; FERREIRA, 2002). Mariana Fix, por outro lado, contesta a neutralidade do instrumento. Ela afirma que a OUC, enquanto construção social, não é um instrumento neutro, isento de intenções. Ele foi criado e é apropriado em sua aplicação pelas forças políticas e econômicas dominantes. Para a autora, ao delimitar-se uma área com legislação diferenciada, as Operações criam um estado de exceção que não resolve questões sociais, senão as reproduz.

Fonte: CHAGAS, Fernanda. A Parceria Público Privada na Produção do Espaço

De maneira geral, a dinâmica do processo de urbanização no Brasil, ao mesmo tempo em que promove desenvolvimento econômico, gera grande exclusão social e segregação territorial. As desigualdades sociais são aprofundadas pelo processo de globalização, que distribui de maneira desequilibrada os lucros do mercado global de investimentos. Especialmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil, esse padrão excludente do crescimento econômico urbano é determinado, em grande parte, pelas ações elitistas do Estado. Reconhece-se, assim como Henri Lefebvre e Manuel Castells, a dimensão política do processo de urbanização: no Brasil as políticas urbanas estatais são constantemente guiadas por interesses privados de grupos privilegiados. Incluímos aí as Operações Urbanas Consorciadas. (FERNANDES, Edésio; 2001).

No então período de 1960 e 1980 os problemas urbanos se agravaram. A explosão da urbanização, seguida pela periferização da população e crescimento da cidade informal, contribuiu para aumentar a insatisfação social com a questão urbana e nesse momento surgem diversos movimentos sociais para contribuir com o processo de abertura política e a elaboração da nova Constituição (BASSUL, 2010).

A partir dos anos 1990 houve um movimento de revitalização dos centros das cidades. Ao longo do século XX os centros urbanos haviam sido esvaziados, em decorrência da suburbanização e do deslocamento do setor industrial para a periferia. Em muitas cidades, a região central passou a ser habitada principalmente por uma população de baixa renda. A falta de políticas e investimentos públicos contribuiu para que esses centros fossem vistos como zonas “degradadas”, marcadas pela criminalidade, tráfico de drogas e prostituição. A partir dos anos 1990 teve início uma política de “revitalização” das áreas centrais, que além favorecer a entrada de residentes de classes mais altas, é uma demanda fundamental para o fomento da atividade turística. Essa estratégia representa uma conquista classista da cidade que tem como consequência a gentrificação. Para Botelho (2005), a revitalização se baseia na construção de um discurso da cidade como imagem: a cultura local, principalmente o patrimônio histórico edificado, é revalorizada e transformada em cenário para usuários externos. No entanto, ainda que coordenadas pelo setor público, essas parcerias com o setor privado para revitalização já indicam a transformação do papel das cidades na economia e apontam para uma orientação neoliberal das políticas de desenvolvimento urbano.

Uma política urbana que merece destaque e pode ser apontada como um antecedente das Operações Urbanas são as Operações Interligadas, sancionadas em 1986 em São Paulo. Segundo Mariana Fix (2003) esse instrumento tinha o objetivo de devolver ao governo municipal parte da valorização sofrida por imóveis devido a mudanças na legislação de uso e ocupação do solo. A compra de exceção à lei do zoneamento era feita lote a lote mediante pagamento de uma contrapartida, e os interessados deveriam encaminhar o pedido à Comissão Normativa de Legislação Urbana. Os recursos arrecadados eram direcionados ao Fundo Municipal de Habitação, o que “interligava” interesses do mercado imobiliário à produção de habitações sociais. Desde sua implementação, essas operações foram alvo de muitas críticas, que alertavam principalmente para o caráter pontual da intervenção, desconsiderando a capacidade da infraestrutura da cidade. Os pedidos para realização das operações interligadas tendem a concentrar-se em regiões de interesse para o mercado imobiliário o que, em médio prazo, gera uma sobrecarga no tecido urbano. Consequentemente cresce a demanda por investimentos públicos em infraestrutura cujos custos podem superar o valor das contrapartidas inicialmente arrecadadas. Dessa forma, ao invés de distribuir renda, as operações interligadas induzem a concentração de investimentos públicos e privados em áreas escolhidas pelo mercado. Nesse sentido, as operações urbanas deveriam apresentar uma alternativa às interligadas. Por acontecerem em um perímetro determinado (e não em lotes isolados) e terem os recursos da contrapartida aplicados dentro desta área, em tese a operação urbana seria autofinanciável. Assim as obras seriam custeadas pelos seus beneficiários, evitando o deslocamento de recursos públicos para investimentos não prioritários do ponto de vista social. Por outro lado, a tendência à concentração de investimentos em áreas já privilegiadas se mantém, uma vez que ambas as operações dependem do interesse do mercado para sua realização. Além disso, com a justificativa de estimular investimentos privados, a Prefeitura assume o papel de uma empresa de desenvolvimento imobiliário e realiza obras “âncora” (obras viárias, equipamentos culturais), como forma de tornar a operação urbana mais atraente, ou seja, com maiores possibilidades de lucro (FIX, 2003). Isso nos revela uma contradição entre o discurso e a prática nas operações urbanas. A parceria entre governos e setores privados seria motivada primeiramente pela insuficiência de recursos públicos para o financiamento do desenvolvimento urbano. No entanto a própria realização de grandes investimentos públicos iniciais (mesmo que estes sejam reembolsados a médio ou longo prazo) já enfraquece sua justificativa. Além disso, a concentração dos esforços da Prefeitura na operação reduz as possibilidades de que outras ações, talvez de maior prioridade social, sejam realizadas. Assim o investimento revela-se o contrário do que afirma ser: dá preferência a obras concentradoras de renda, “não prioritárias”, em detrimento de regiões menos privilegiadas da cidade. Ou seja, as restrições orçamentárias não são superadas, como se diz, mas apenas dribladas, de modo que apenas alguns setores continuem resolvendo seus problemas de financiamento. (CHAGAS, Fernanda)

Como dito por Chagas, e sendo uma experiência visivelmente marcante no cenário brasileiro quanto às políticas urbanas, foi a concentração de modo geral para a realização dos chamados megaeventos esportivos: Copa do Mundo FIFA, em 2014, e Jogos Olímpicos no Rio, em 2016. No contexto da cidade-mercadoria-empresa, a realização desses eventos é vista pelos administradores e investidores como uma janela de oportunidade para dinamizar a economia e projetar uma cidade no cenário internacional. Como já vimos, para sediar esses eventos, foram feitos necessários grandes investimentos em infraestrutura, mobilidade urbana, segurança pública, construção de estádios, aeroportos, hotéis, infraestrutura turística, cuja maior parte é assumida pelo Estado. No entanto, para tornar investimentos privados ainda mais atrativos, as regras urbanísticas são flexibilizadas de acordo com os interesses do mercado. E é esse discurso da necessidade de realização desses eventos e urgência de execução das obras que permite que as PPPs sejam utilizadas para generalizar a exceção como regra (CHAGAS, Fernanda).

Dessa forma, podemos concordar que as Operações Urbanas Consorciadas são apropriadas pela economia neoliberal para obtenção dos lucros advindos da flexibilização das leis e dos investimentos públicos, criando bases para um processo de especulação imobiliária, gentrificação e transformação da cidade em uma mercadoria, em detrimento da diversidade e da espontaneidade inerentes ao urbano. Esse processo é especialmente perverso no Brasil, considerando a grande desigualdade socioespacial. Enquanto problemas estruturais não forem resolvidos, as Operações Urbanas Consorciadas podem contribuir para o aumento da assimetria de poder. (CHAGAS, Fernanda)

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