NOTA PÚBLICA DO GRUPO DE PESQUISA INDISCIPLINAR DA ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG SOBRE AS IRREGULARIDADES JURÍDICAS DOS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS NO ISIDORO
O Grupo de Pesquisa Indisciplinar, da Escola de Arquitetura da UFMG, tendo em vista a ameaça de despejo iminente das ocupações da região do Isidoro, Rosa Leão, Esperança e Vitória, e as diversas irregularidades jurídicas dos instrumentos urbanísticos vinculados à Operação Urbana do Isidoro, vem, através desta Nota Pública, manifestar seu repúdio à desocupação forçada da área e, ainda, denunciar as ilegalidades que apontam para o financiamento público do processo de guetização socioespacial no Isidoro.
1. GUETIZAÇÃO SOCIOESPACIAL LEGITIMIDADA PELA ALTERAÇÃO DE PARÂMETROS DE OCUPAÇÃO NAS ÁREAS NÃO PARCELADAS DO VETOR NORTE
A) IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO DA TRANSFERÊNCIA DO DIREITO DE CONSTRUIR (“TDC”)
A Transferência do Direito de Construir (TDC) é o instrumento de política urbana pelo qual o Poder Público Municipal autoriza o proprietário de imóvel urbano a alienar ou a exercer em outro local, o direito de construir previsto na Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo relativo ao Coeficiente de Aproveitamento Básico (CAb), nos termos do art. 60 do Plano Diretor do Município de Belo Horizonte (PDBH), Lei Municipal no 7165/1996.
O limite máximo de recepção da transferência do direito de construir é de 20% (vinte por cento), exceto no caso de projetos urbanísticos especiais, conforme disposto no art. 62, § 1o, do PDBH. Ressalte-se que, pela leitura do art. 65-E do Plano Diretor, as Operações Urbanas não são consideradas projetos urbanísticos especiais, portanto, esses instrumentos não podem ser confundidos para fins de majoração do TDC.
Art. 65-E – As Operações Urbanas e os projetos urbanísticos especiais que envolvam a autorização da Transferência do Direito de Construir poderão ser realizados com a contrapartida de transferência não onerosa de imóvel ao Município, sendo vedado, nessa hipótese, pagamento de indenização, a qualquer título, ao particular (gn).
Dessa forma, a possibilidade de recepção de potencial construtivo acima de 20% em áreas de Operação Urbana só poderá ocorrer mediante contrapartida do particular ao Município, uma vez que não se trata de projeto urbanístico especial, não sendo possível, nessa hipótese, aplicação do art. 62, § 1o, do PDBH.
De acordo com a sistematização dos valores constantes na tabela acima, toda flexibilização que permite recepção de TDC acima de 20% na OUI, sem previsão de contrapartida, é irregular. Dessa forma, a OUI está aumentando o potencial de recepção dos imóveis ilegalmente, pois, além de não se tratar de projeto urbanístico especial, o aumento do grau de recepção de potencial construtivo deveria ocorrer mediante contrapartida do particular, nos termos do art. 67, II do PDBH.
O aumento irregular do percentual de recepção de TDC nas áreas de Grau de Proteção 2 e 3 indicadas acima, irá legitimar acréscimo CAb e possibilitar maior adensamento da área, sem contar, todavia, com contrapartidas relacionadas à infraestrutura técnica e social a suprir futura demanda da população residente. Trata-se, no caso, de flexibilização de parâmetro que sustenta aumento do potencial de construção que busca favorecer apenas os empreendedores privados.
Os limites para recepção de TDC, de acordo com os arts. 47, 48, 49 e 52 das disposições transitórias (DT) da Lei Municipal 9959/2010 são os seguintes:
Grau de ocupação e de proteção ambiental da Operação Urbana do Isidoro | CAb | CAb após a Recepção de Transferência de Direito de Construir previsto nas DT da Lei Municipal 9959/2010 | Limite de recepção de acordo com o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte | Porcentagem de recepção previsto pela Operação Urbana do Isidoro |
Grau de Proteção 2 (art. 47) | 1,00 | 1,2 | 1,2 | 20% |
Grau de Proteção 2 (art. 48) | 1,00 | 1,5 | 1,2 | 50% |
Grau de Proteção 2 (art. 52) | 1,00 | 1,7 | 1,2 | 70% |
Grau de Proteção 3 (art. 49, ZP-2) | 1,00 | 1,5 | 1,2 | 50% |
Grau de Proteção 3 (art. 52, ZP-2) | 1,00 | 1,7 | 1,2 | 70% |
B) EXTENSÃO DA TRANSFERÊNCIA DE DIREITO DE CONSTRUIR PARA TODO MUNICÍPIO
A redação original da Lei Municipal no 9959/2010 estabelecia que somente 30% das UTDCs (unidades de transferência de direito de construir) geradas pela área de Grau de Proteção 1 poderiam ser utilizadas fora do perímetro da OUI. Contudo, a alteração da redação do art. 79 das DT da Lei Municipal no 9959/2010 pela Lei Municipal no 10.705/2014, acabou com o limite de 30%, autorizando a transferência de TDC para toda a cidade.
Em outras palavras, as UTDCs geradas pelas áreas de parque delimitadas no Anexo XXXI das DT da Lei Municipal no 9959/2010, poderão ser utilizadas em qualquer lugar do município de Belo Horizonte. Qual a consequência dessa alteração? A lógica da redação original estimulava a prioridade do adensamento na área da Operação Urbana do Isidoro, o que permitiria a diversificação de usos e de tipologias residencias na área. Essa determinação legal é pertinente e condizente com os conceitos de cidade compacta e de políticas de promoção de integração social urbanas. Ao contrário, a possibilidade de transferência das UTDCs para todo o Município permite que os empreendedores privados determinem quais áreas da cidade serão adensadas, o que coloca em risco as prioridades das políticas urbanas antes estabelecidas pelo Município.
C) IMPOSIÇÃO DE USOS NÃO RESIDENCIAIS INCOMPATÍVEIS COM OS PRESSUPOSTOS DA OUI
O art. 42 das DT da Lei Municipal no 9959/10 indica os pressupostos do Plano Urbanístico da Operação Urbana do Isidoro. Abaixo, destacam-se os pressupostos concernentes à diversificação de usos do espaço e formas de sua ocupação.
Art. 42. Considerando a relevância ambiental que caracteriza a região objeto daOperaçãoUrbana do Isidoro, em especial o grande número de nascentes e cursos d`água, a presença de vegetação expressiva, a incidência de áreas de alta declividade e de risco geológico, o PlanoUrbanístico emque se fundamenta essa Operação Urbana tem como pressupostos: (…)
VIII – assegurar que o processo de expansão urbana na região ocorra demodo sustentável, contemplando a implantação de toda infraestrutura necessária, bem como a construção de equipamentos urbanos e comunitários para atendimento à demanda da população local; (…)
XI – viabilizar a oferta de terrenos urbanizados para implantação de unidades habitacionais, bemcomo para instalação de atividades econômicas compatíveis com as características de ocupação predominantemente residencial proposta para a área.
Da análise dos incisos VIII e XI do dispositivo citado depreende-se que a premissa do plano urbanístico para uso e ocupação do território é a sustentabilidade ambiental, a adequação à demanda da população local e a instalação de atividades não residenciais que sejam compatíveis com o perfil de ocupação residencial proposto. Há que se verificar aqui a existência de contradição legal entre dispositivos da mesma lei. À revelia do que estabelece os pressupostos da OUI, foram previstos tamanho de lotes mínimos de 5.000 m2, nas áreas de Grau de Proteção 2 (arts. 47 e 48 das DT) e 2.000 m2 nas áreas de Grau de Proteção 3 (art. 49 das DT).
Da comparação entre as premissas do plano urbanístico e o tamanho mínimo de lotes não residenciais indicados para as áreas de Grau de Proteção 2 e 3 observa-se clara incompatibilidade. A previsão de lotes mínimos para fins não-residenciais do tamanho indicado pela legislação é totalmente avessa ao pressuposto de adequação à demanda local e o perfil de ocupação residencial proposto, voltado à habitacional social. Além disso, lotes do tamanho indicado dizem respeito à instalação de empreendimentos de grande impacto, cuja apropriação corre o risco de se concentrar em empreendedores e comerciantes alheios à população local.
D) ISENÇÃO IRREGULAR DE IPTU
O art. 59 das DT da Lei Municipal no 9.959/2010 isenta de IPTU os imóveis inseridos no perímetro da OUI até a obtenção da certidão de baixa de construção. Uma vez que a OUI tem prazo de 20 anos (art. 77 das DT da mesma lei), os imóveis estão isentos de IPTU até 2022, no caso de não obterem a referida certidão.
Esse montante não arrecadado pelo Município de Belo Horizonte à título de isenção de imposto durante 12 anos aos proprietários de imóveis na área da Operação, subverte toda a racionalidade doinstrumento da Operação Urbana, ferindo de morte o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização, previsto no inciso II, do art. 2, da Lei Federal no 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). Nesse instrumento urbanístico negocial da Operação Urbana, conforme dispõe o Estatuto da Cidade, são os proprietários que devem pagar contrapartida ao Município e não os demais contribuintes munícipes arcar com injusta e desigual isenção de IPTU, que, no caso, age como uma contrapartida às avessas.
2. CAPTURA DOS INSTRUMENTOS URBANÍSTICOS PARA BENEFÍCIO DA INICIATIVA PRIVADA
2.1 Perversão do instrumento de parcelamento do solo
a) VIA 540 e VIA NORTE-SUL
Conforme disposto no art. 61 das DT da Lei Municipal no 9959/10, o sistema viário principal da região do Isidoro é composto pelas vias 540 e Norte Sul (039).
Art. 61 – O sistema viário básico da Região do Isidoro é composto por:
I – sistema principal, representado no mapa constante do Anexo XXXI desta Lei, objeto de diretrizes para projeto, elaboradas pelo Executivo, e constituído pelas vias:
a) Via 540, definida como o ponto 038 do Programa de Estruturação Viária de BeloHorizonte – VIURBS -, que fará a interligação entre a Rodovia MG-20 e a Avenida Cristiano Machado/Rodovia Prefeito AméricoGianetti, de forma a promover a melhoria da articulação interna da Região Norte do Município;
b) Via Norte-Sul, definida como o ponto 039 do VIURBS, que cortará a RegiãoNorte do Município, no sentido norte-sul, e fará a interligação entre a Via 540, e a Região do Bairro Jaqueline;
II – sistema secundário, constituído pelas vias arteriais, coletoras e locais a serem previstas nos projetos de parcelamento, conforme diretrizes específicas a serem fornecidas pelo Executivo.
Depreende-se do texto legal que apenas o sistema secundário de vias será objeto dos projetos de parcelamento definidos para região, conforme diretrizes do Poder Executivo Municipal. Dessa forma, a implantação do sistema principal de vias – 540 e norte-sul – ficaria fora das exigências legais destinadas ao loteamento da área. Ou seja, os particulares loteadores não teriam a obrigação de arcar com os custos referentes à abertura das vias do sistema principal.
Ocorre que, nesse caso, há uma ginástica legislativa para substituir o que é exigência do loteamento da área para sua configuração como contrapartida dos particulares na Operação Urbana. Explica-se.
A previsão normativa que separa os sistemas viários do Isidoro em principal e secundário esconde o fato de que tanto a via 540, quanto a Norte-Sul, têm quase a totalidade de seu comprimento concentrado no interior do perímetro da Operação Urbana do Isidoro. Além disso, o sistema viário principal é o eixo estruturador que garante, de forma si ne qua non, o acesso às áreas internas do Isidoro, sem o qual qualquer empreendimento na região seria inviável, tal como o empreendimento habitacional Granja Werneck. Dessa forma, a implantação da via 540 e Note-Sul são essenciais ao loteamento, não podendo ser divorciadas na discussão do parcelamento.
Destaca-se, ainda, que o loteamento proposto para região implica forte adensamento da área, o que, por si só, reforça o argumento de que as vias principais são condições necessárias para sua viabilidade e não apenas política de mobilidade do Poder Público Municipal. A abertura, modificação e o prolongamento de vias públicas e construção de logradouros públicos são obrigações que todo particular deve assumir no processo administrativo de loteamento. A partir de diretrizes de parcelamento do solo que são expedidas pelo Município em cada caso, ou pelo órgão metropolitano responsável, na hipótese da área a ser loteada pertencer a Município integrante de região metropolitana, os proprietários que irão efetuar abertura de lotes são responsáveis por custear a instalação das vias essenciais ao seu loteamento e, ainda, determinadas infraestruturas. Conforme Lei Federal no 6766/79 e Lei Municipal no 7166/96 essa exigência é a característica que diferencia o loteamento do desmembramento:
Art. 2. § 1o – Considera-se loteamento a subdivisão de gleba emlotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
Correspondente na Lei Municipal, art. 15, §1o da Lei no 7.166:
§ 1o – Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação que implique a abertura, o prolongamento, a modificação ou a ampliação de vias de circulação ou de logradouros públicos.
A estratégia de deslocar o sistema viário principal do processo administrativo de parcelamento do solo possibilita que os particulares envolvidos na OUI utilizem a implementação das vias 540 e Norte-Sul como contrapartida da Operação Urbana. Caso isso ocorra, haverá clara violação à lei de parcelamento federal e municipal e, ainda, diminuição das compensações a serem arrecadas para Operação que constituiriam o fundo a ser revertido em obras de infraestrutura técnica e social na área.
A argumentação de que as vias 540 e Norte-Sul são estruturantes do Município e, dessa forma, obra de responsabilidade do Poder Público, não se sustenta. A essencialidade desse sistema viário para os empreendimentos do Isidoro condicionam sua abertura por parte dos particulares, naquilo que for correspondente à demanda de seus empreendimentos.
B) INCONSISTÊNCIAS NO CUSTO DE IMPLANTAÇÃO DA OUI
O art. 64 das DT da Lei Municipal no 9959/10 prevê a desapropriação de áreas para implantação de infraestrutura viária, equipamentos urbanos e comunitário. De acordo com o art. 21 da Lei Municipal no 7166/96, é obrigatória a transferência ao Município de, no mínimo, 15% (quinze por cento) da gleba, para instalação de equipamentos urbanos e comunitários e espaços livres de uso público, além da área correspondente à implantação do sistema de circulação do loteamento. O art. 64 das DT da Lei Municipal no 9959/10 prevê:
Art. 64.Os custosreferentes à desapropriação e à implantação da infraestrutura viária, incluindo-se obras de arte, bem como aos equipamentos urbanos e comunitários e dos parques mencionados nesta Seção ficam estimados, de acordo com os valores estabelecidos no Anexo XXXII desta Lei, em R$ 963.573.000,00 (novecentos e sessenta e três milhões e quinhentos e setenta e três mil reais).
Questiona-se, portanto: (i) se a área a ser desapropriada para instalação de equipamentos urbanos e comunitários e dos parques excede o percentual de 15% de área a ser transferida ao Município e (ii) a inclusão da implementação da infraestrutura viária como custo da Operação, uma vez que o sistema viário principal, via 540 e via Norte-Sul, são eixos essenciais do loteamento, cuja implantação é de obrigação dos particulares loteadores.
C) IRREGULARIDADE NA TRANSFERÊNCIA DE ÁREAS NÃO EDIFICÁVEIS AO MUNICÍPIO
A Lei Municipal de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, Lei no 7166/96, estabelece as condições de transferência de área ao município nos loteamentos. De acordo com o art. 21, §8o, as Unidades de Preservação e as áreas não edificáveis podem ser transferidas ao Município, caso haja justificado interesse público de ordem ambiental comprovado por laudo elaborado pelo órgão ambiental municipal, sendo computada, para efeito do cálculo do percentual, apenas metade de sua área, até o máximo de 5% (cinco por cento) da gleba parcelada.
Tem-se, portanto, que toda a área de preservação permanente e áreas não edificáveis existentes na Região do Isidoro, poderão ser transferidas ao Município, mas, independentemente de seu tamanho, elas poderão ser contabilizadas como no máximo 5% do total da área a ser loteada. Em outras palavras, a lei municipal estabelece que toda a área de preservação e áreas não edificáveis existentes poderão corresponder no máximo a 5% dos 15% exigidos no art. 21 da Lei Municipal no 7166/96.
A OUI, em sentido contrário ao estabelecido pela Lei Municipal no 7166/96, não impõe limite à porcentagem das áreas de preservação permanente e das áreas não edificáveis a serem doadas no parcelamento do solo:
Art. 53 (…)
§ 4o – Serão consideradas no cômputo das áreas a serem transferidas ao Município, por força do parcelamento, as áreas não parceláveis e não edificáveis localizadas nas porções da gleba submetidas ao Grau de Proteção 1 destinadas à implantação de parques públicos, conforme delimitação contida no Anexo XXXI desta Lei.
Novamente, depara-se com outro parâmetro flexibilizado pela OUI, sem a exigência de contrapartida do particular, violando o disposto no art. 67, II do PDBH, que prevê a necessidade dimensionamento das obrigações dos particulares em relação aos demais benefícios oriundos da Operação. Em acréscimo, esse dispositivo não é ilegal apenas por flexibilizar parâmetro sem se exigir contrapartida. A possibilidade de se transferir área de preservação permanente e áreas não edificáveis é vedada pelo Decreto Estadual 44.646/2007.
Art. 11. O percentual de áreas públicas não poderá ser inferior a 35% (trinta e cinco por cento) da gleba total a ser parcelada, observando-se maiores restrições da legislação municipal. (…)
§ 6o As áreas não-edificáveis não poderão ser computadas como áreas públicas.
Art. 12. As áreas de preservação permanente e as faixas de servidão ao longo de linha de transmissão de
§ 1o No caso de áreas de preservação permanente – APPs, deverão ser respeitados os impedimentos energia elétrica poderão ser destinadas como áreas públicas, mediante autorização da autoridade competente.
Dessa forma, a OUI não poderá permitir a transferência de áreas de preservação permanente e de áreas não edificáveis no loteamento, tendo vista violação direta a dispositivo constante da legislação estadual.
2.2 Irregularidades da Operação Urbana do Isidoro
A) ISENÇÃO DE CONTRAPARTIDAS AO EMPREENDIMENTO HABITACIONAL
A última alteração legislativa referente à OUI maculou a própria lógica do instrumento da Operação Urbana. A Lei Municipal no 10. 705/14, que também altera o PDBH, dispôs em suas disposições transitórias que não haverá necessidade de contrapartidas adicionais ao particular caso o empreendimento a ser instalado se digira à habitação de interesse social. Uma vez que o empreendimento passa a ter caráter social as demais contrapartidas previstas em lei deixariam de ser exigidas. Se não, veja-se:
Art. 23 – O art. 67 das Disposições Transitórias da Lei no 9.959, de 20 de julho de 2010, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 6o a 11:
“Art. 67 – […]
§ 6o – Não se sujeitam ao pagamento da contrapartida prevista no caput deste artigo os empreendimentos cujas unidades residenciais sejam integralmente vinculadas ao atendimento da demanda da Política Habitacional do Município, observada a seguinte proporção:
I – no mínimo 70% (setenta por cento) das unidades habitacionais destinados a beneficiários com renda familiar mensal de até 3 (três) salários mínimos;
II – percentual restante das unidades habitacionais destinado a beneficiários com renda familiar mensal superior a 3 (três) até 6 (seis) salários mínimos;
§ 7o – A configuração da hipótese prevista no § 6o deste artigo não isenta o empreendedor da realização das obras de urbanização e tampouco da transferência de percentual da gleba em decorrência das exigências relativas ao parcelamento do solo. […]
§ 11 – A execução das obras de infraestrutura e a implantação dos equipamentos urbanos e comunitários correspondentes aos Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social, exceto se decorrentes do licenciamento do empreendimento e da consequente aprovação do parcelamento do solo, ficarão a cargo do Município.”. (gn)
Essa alteração legal perpetrada pela Lei Municipal no 10.705/14 viola o patrimônio público, pois fere de morte a possibilidade de contrapartida justa por parte dos particulares beneficiários da OUI que irão realizar o MCMV em parte da área do Isidoro. Trata-se, aqui, do projeto levado a cabo pela empresa Direcional Engenharia, na área da Granja Werneck, cuja licença de instalação (LI) já fora concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de MG.
Há, por essa razão, clara violação à ordem urbanística evidenciada sob dois aspectos principais: a mudança legal que isenta o empreendedor de contrapartida tem que ser declarada nula sob pena de, desnaturando o caráter da contrapartida, (i) não só violar a justa distribuição dos ônus e benefícios apregoada pelo instrumento da Operação Urbana Simplificada, como, ainda, (ii) deixar a cargo do Poder Público Municipal o ônus de efetivar a infraestrutura técnica e social que seria, antes da mudança legislativa, decorrência da contrapartida dos particulares.
B) EMPREENDIMENTO HABITACIONAL CUSTEADO POR RECURSO PÚBLICO
A mudança no caráter do empreendimento habitacional na região do Isidoro, voltando agora à execução do Programa MCMV no Granja Werneck, via Direcional Engenharia, é o motivo que justificou a alteração legal que isentou esse empreendedor privado de contrapartida da OUI, conforme Lei Municipal no 10.705/14.
Ocorre que, nesse caso, o empreendimento habitacional não estará sendo financiada pelo próprio empreendedor, como era de se esperar, mas sim mediante recurso federal e municipal. O programa habitacional MCMV é custeado na sua maior parte, por recursos advindos da Caixa Econômica Federal (CEF) e complementado pelo Município de Belo Horizonte para construção de infraestrutura técnica e social na área. Conforme relato colhido de representantes da Direcional Engenharia em reunião realizada no dia 04 de maio de 2015, na Cidade Administrativa, com representantes das Ocupações Vitória, Rosa Leão e Esperança, além do repasse da CEF para construção das unidades habitacionais, o Município de Belo Horizonte irá complementar o financiamento para custear a instalação de infraestrutura social no empreendimento.
Ainda, segundo o depoimento citado, por cada unidade habitacional a empresa Direcional receberá 85.000 reais, sendo 65.000 reais da Caixa/Ministério das Cidades e mais 20.000 reais do Município de Belo Horizonte. Ou seja, a Direcional não está, de fato, arcando com nenhuma contrapartida a que seria obrigada pela lei que rege a OUI. Com o recurso obtido a Direcional construiria como infraestrutura a atender os conjuntos habitacionais uma caixa d’água, rede de esgoto, água e drenagem. A rede de energia elétrica seria feita pela CEMIG.
Nota-se, dessa proposta, o claro desvirtuamento do que é uma Operação Urbana Simplificada e o uso das contrapartidas. A Direcional receberá aportes públicos a partir dos quais executará o empreendimento habitacional e a infraestrutura mínima. Esse acordo trata-se de execução do contrato do MCMV e não de contrapartida da OUI. Conclui-se através das questões apresentadas que há violação do patrimônio público pela OUI, pois: a) a Lei Municipal no 10.705/14 é ilegal ao violar a necessária previsão de contrapartidas aos beneficiários das Operações Urbanas Simplificadas, não podendo prever isenção que desvirtue as compensações exigidas pelos particulares e empreendedores; b) a isenção de contrapartida com base na destinação do empreendimento para habitação social, MCMV no caso, não se sustenta, pois o recurso que financiará o empreendimento é público.
3. IRREGULARIDADES DO PROJETO HABITACIONAL PARA O ISIDORO
A) AUSÊNCIA DE COMÉRCIO LOCAL NO MINHA CASA MINHA VIDA
A Lei Municipal no 9959/2010 com a alteração efetuada pela Lei Municipal no 10.507/2014 retira a exigência de destinação de 12% da área dos lotes para fins não residenciais, na área destinada aos empreendimentos de habitação social. Dessa forma, o art. 50 das DTs da Lei no 9959 torna-se inaplicável para os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida no Isidoro, conforme §9o do art. 67.
Por esse motivo, resta evidenciado que na área onde será construído o empreendimento habitacional do MCMV haverá impossibilidade de desenvolvimento de comércio local que atenda a demanda da população, contrariando os pressupostos do plano urbanístico da Operação Urbana do Isidoro, conforme art. 42. Resta claro, portanto, que o §9o do art. 67 é incompatível com as premissas da Operação, devendo ser declarado ilegal.
B) VILA DE PASSAGEM
A região do Isidoro irá abrigar Centro de Referência e Vila de Passagem e Abrigamento Provisório de Conciliação, para receber os moradores removidos de imediações do Anel Rodoviário e da BR 381m conforme acordos de conciliação assinados em 2014. A área destinada está localizada na Granja Werneck, no Recanto da Boa Viagem, local que já abrigou antigo sanatório e, posteriormente, asilo da Paróquia da Boa Viagem.
Não se sabe ao certo quantos moradores serão destinados a esse abrigamento provisório. Contudo, tendo em vista as irregularidades acima apontadas referentes ao projeto habitacional para o Isidoro e a inexistência de contrapartidas suficientes a custear a instalação de infraestrutura técnica e social na região, há o claro risco de construção de um gueto isolado de pobres, sem adequado acesso à cidade.
***
Tendo em vista os problemas apontados, resta evidenciado que há flagrante violação à ordem urbanística, ao patrimônio público e ao direito à cidade no tocante aos instrumentos jurídico-urbanísticos relativos à Operação Urbana Simplificada do Isidoro, que, além de comprometerem a legalidade do instrumento, irão ocasionar diversos danos à cidade e à população, criando um gueto marginalizado e sem infraestrutura técnica e social em área equivalente ao tamanho da região da Avenida do Contorno. E, para piorar o quadro, essa Operação Urbana desvirtua os elementos que a configurariam como simplificada, tendo o caráter de instrumento consorciado, o que exigiria vasto processo de participação popular, conforme exigem o Plano Diretor Municipal e o Estatuto da Cidade.
Por essas razões, o Grupo Indisciplinar repudia a desocupação forçada das 3 ocupações do Isidoro, Rosa Leão, Esperança e Vitória e denuncia as irregularidades do projeto de guetização socioespacial financiamento pelo Poder Público, consubstanciadas nos seguintes pontos:
1. Aumento irregular do percentual de recepção de TDC nas áreas de Grau de Proteção 2 e 3 (arts. 47, 48, 49 e 52 das DT da Lei Municipal no 9959/10) que permitirá flexibilização ilegal de parâmetro urbanístico, sem correlata contrapartida dos particulares beneficiados, violando Plano Diretor Municipal.
2. Alteração da redação do art. 79 das DT da Lei Municipal no 9959/2010 pela Lei Municipal no 10.705/2014 que acabou com o limite de 30%, autorizando a transferência de TDC das áreas de proteção para toda a cidade, favorecendo os particulares proprietários e não a ordem urbanística.
3. Contradição legal entre dispositivos da Lei Municipal no 9959/2010 que à revelia do que estabelece os pressupostos da OUI, previu tamanho de lotes mínimos de 5.000 m2, nas áreas de Grau de Proteção 2 (arts. 47 e 48 das DT) e 2.000 m2 nas áreas de Grau de Proteção 3 (art. 49 das DT), impondo empreendimentos de grande impacto para região de caráter de forte adensamento populacional de baixa renda.
4. Isenção irregular de IPTU pelo art. 59 das DT da Lei Municipal no 9.959/2010 aos imóveis inseridos no perímetro da OUI até a obtenção da certidão de baixa de construção, configurando hipótese de contrapartida às avessas dos particulares beneficiados e violando a justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização.
5. Perversão do instrumento de parcelamento do solo mediante o divórcio do sistema viário principal do Isidoro – via 540 e via Norte-Sul – das exigências vinculadas aos loteadores, sendo, no caso, tratadas como contrapartidas da Operação Urbana. Hipótese que, ao violar a Lei Federal no 6766/79 e Lei Municipal no 7166/96 escamoteia as contrapartidas da OUI, substituindo obrigação do loteamento por compensações urbanísticas da Operação.
6. Inconsistências no custo de implementação da OUI previsto no art. 64 das DT da Lei Municipal no 9959/10 que (i) não esclarece se a área a ser desapropriada para instalação de equipamentos urbanos e comunitários e dos parques excede o percentual de 15% de área a ser transferida ao Município mediante o parcelamento e (ii) inclui a implementação da infraestrutura viária como custo da Operação, desconsiderando que o sistema viário principal, via 540 e via Norte-Sul, são eixos essenciais do loteamento, cuja implantação é de obrigação dos particulares loteadores.
7. Irregularidade na transferência de áreas não edificáveis ao Município, violando a Lei Municipal no 7166/96, uma vez que a OUI não impõe limite à porcentagem das áreas de preservação permanente e das áreas não edificáveis a serem doadas no parcelamento do solo. Novamente, depara-se com outro parâmetro flexibilizado pela OUI, sem a exigência de contrapartida do particular, violando o disposto no art. 67, II do PDBH, que prevê a necessidade dimensionamento das obrigações dos particulares em relação aos demais benefícios oriundos da Operação. Em acréscimo, esse dispositivo não é ilegal apenas por flexibilizar parâmetro sem se exigir contrapartida. A possibilidade de se transferir área de preservação permanente e áreas não edificáveis é vedada pelo Decreto Estadual 44.646/2007.
8. Isenção ilegal de contrapartida ao particular responsável por empreendimento habitacional, prevista no §6o, do art. 67, da Lei Municipal no 10.705/14 desnaturando o equilíbrio negocial da Operação Urbana por (i) não só violar a justa distribuição dos ônus e benefícios apregoada pelo instrumento da Operação Urbana Simplificada, como, ainda, (ii) deixar a cargo do Poder Público Municipal o ônus de efetivar a infraestrutura técnica e social que seria, antes da mudança legislativa, decorrência da contrapartida dos particulares.
9. A isenção de contrapartida com base na destinação do empreendimento para habitação social, MCMV no caso, não se sustenta, pois o recurso que financiará o empreendimento é público, oriundo tanto da Caixa Econômica Federal quanto do Município de Belo Horizonte.
10. Revogação da exigência de destinação de 12% da área dos lotes para fins não residenciais, na área destinada aos empreendimentos de habitação social, conforme §9o do art. 67. Por esse motivo, resta evidenciado que na área onde será construído o empreendimento habitacional do MCMV haverá impossibilidade de desenvolvimento de comércio local que atenda a demanda da população, contrariando os pressupostos do plano urbanístico da Operação Urbana do Isidoro, conforme art. 42.
11. A convivência do projeto habitacional no Isidoro, nos moldes do proposto pelo empreendimento Granja Werneck, com a Vila de Passagem localizada na mesma área, configura processo de guetização social em região que não contemplará infraestrutura técnica e social a garantir direito à cidade à população residente.
Belo Horizonte, 22 de junho de 2015
Grupo de Pesquisa Indisciplinar
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