Porque o conflito da Izidora é emblemático?
o microcosmo da metrópole biopolítica
A região da Izidora, localizada no vetor norte da capital mineira, é alvo de emblemática disputa entre a apropriação do território pelo Estado-capital, mediada pela lógica privatista, e outras formas de produção do espaço, realizadas por comunidades tradicionais ligadas ao quilombo remanescente na área e ocupações urbanas de moradia, cuja produção do espaço passa pela ordem do comum. Mediante a perversão de diversos instrumentos de política urbana, alavancada pelo mau uso da Operação Urbana do Isidoro (OUI), evidencia-se claro patrocínio público para construção de um gueto de pobres na região, sem infraestrutura técnica e social adequada, financiado, principalmente, pelo Programa Minha Casa Minha Vida e a instalação de Vila de Passagem para abrigar famílias removidas pelas obras no Anel Rodoviário.
Grandes obras e grandes projetos urbanos associados à manipulação perversa de instrumentos legais de política urbana que:
(i) violam direitos de milhares de famílias que ocuparam a área para fins de moradia, atualmente ameaçadas de despejo;
(ii) ameaçam a manutenção de comunidade quilombola remanescente na região e
(iii) arriscam a preservação de um dos maiores parques urbanos do mundo.
Dessa forma, por abrigar diferentes conflitos pela produção do espaço que traduzem, grosso modo, a expropriação do comum pelo Estado-capital, a região da Izidora representa um microcosmo da metrópole biopolítica englobando resistências destituintes das arbitrariedades jurídico-políticas estatais, insurgências criativas e em rede que mobilizam diferentes agentes na luta contra o urbanismo neoliberal e experiências positivas de produção do comum nas ocupações da Rosa Leão, Vitória e Esperança.
Para conhecer a rede de apoio #ResisteIzidora e seus diversos agentes veja a fanpage do Resiste Izidora.
Para entender mais sobre metrópole biopolítica, produção do comum e lutas territoriais veja o artigo “Arte, Espaço e Biopolítica”.
Onde a Izidora está localizada?
verde + expansão urbana + obras públicas
A área da Izidora tem cerca de 10 km² e está localizada no vetor norte do Município de Belo Horizonte, fazendo fronteira com o Município de Santa Luzia. Sua principal característica física é abrigar vultosa extensão de área verde preservada, formando um ecótono de cerrado com mata atlântica, contendo cerca de 280 nascentes de água, 64 córregos, incluindo o Córrego dos Macacos, último curso de água limpa da capital. A rede hídrica da região liga o Córrego do Isidoro ao Ribeirão do Onça, que irá abastecer e integrar a Bacia do Rio das Velhas, principal fonte de abastecimento de água de Belo Horizonte.
O interesse de preservação ambiental evidenciado pelas características da região foi oficializado por leis municipais que a demarcaram como Área de Diretrizes Especiais (ADE Isidoro, Lei Municipal 8.137/2000) e determinaram usos restritos que se querem compatíveis com a sua proteção sustentável. Ocorre que, paralelo ao interesse público de ordenação protetiva desse espaço, está o interesse do mercado imobiliário de se apropriar da última grande área não parcelada em Belo Horizonte. Interesse este que, como se verá adiante, encontra amparo e proteção legal, num emaranhado ambíguo de legislações que buscam combinar proteção ambiental, urbanização técnica e social, habitação social e obras de infraestrutura, para proveito unilateral do mercado imobiliário.
Note-se que, ainda, o vetor norte foi alvo de diversos investimentos realizados pelo Poder Público, para alavancar projetos estratégicos, que impulsionaram sua expansão e valorização: (i) obra de mobilidade da Linha Verde; (ii) implantação da Cidade Administrativa e (iii) reforma e projeto de criação do Aeroporto Industrial de Confins (Aerotrópoles). A captura pelo mercado imobiliário da região Izidora, através do empreendimento Granja Werneck e possível venda de lotes da área da OUI, implicará, portanto, na apropriação das mais-valias fundiárias (a valorização econômica da terra) advindas de inversão pública. Esse processo combinado de aproveitamento privado de investimentos públicos e desvirtuamento dos instrumentos urbanísticos corrobora e acentua a desigualdade socioterritorial presente na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Qual o histórico legal da Izidora?
da doação à expropriação do comum pela operação urbana
1914 >>> doação de terreno público: o primeiro sanatório
Há pouco mais de um século o Município de Belo Horizonte doou área pertencente à região da Izidora, à época qualificada como suburbana ou rural, para a família Werneck, sob a condição de ali ser construído um sanatório modelo. Trata-se do Decreto nº 82 de 1914 que foi revogado pela Lei Municipal 6.370/1993. Questiona-se, embora não tenha ainda havido comprovação, de que parte da área doada pelo Município de Belo Horizonte pertencia ao Município de Santa Luzia.
2000 >>> instituição da ADE e da Operação Urbana do Isidoro (OUI): urbanizar para proteger o meio ambiente?
A Lei Municipal 8.137 de 2000, que alterou o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte de 1996, estabeleceu a Operação Urbana do Isidoro (OUI) com objetivo primordial de promover a urbanização sustentável da região.
Os primeiros questionamentos que podem ser apresentados dessa primeira versão do instrumento da Operação dizem respeito à utilização da OU para fins de urbanização e, ainda, o tratamento destacado da abertura da via 540 como obra fora do parcelamento da área da Izidora, que viabilizaria sua utilização errônea como contrapartida da Operação.
2010 >>> alteração do regime da OUI: urbanização para classe média e alta aproveitar o parque?
A Lei Municipal nº 9.959 de 2010 alterou o Plano Diretor de BH e, nas suas disposições transitórias, reestruturou a OUI modificando radicalmente a primeira versão da lei. Essa legislação também alterou a Lei de Parcelamento Municipal e instituiu a Área de Diretrizes Especiais (ADE) do Isidoro, demarcou a região para fins de instituir parâmetros de uso e ocupação compatíveis com a proteção do meio ambiente. O novo plano urbanístico da Operação prevê adensamento prioritário para população de classe média e alta e contou com projeto urbanístico elaborado pelo arquiteto Jaime Lerner.
A mudança da lei e, consequentemente, a alteração do plano urbanístico para área, foram alvo de investigações e ações judiciais no Ministério Público Federal (MPF) e no Ministério Público Estadual (MPE), ainda em curso.
O MPF, por intermédio da Ação Civil Pública nº 006.3658-88.2014.4.01.3800, questionou, resumidamente, a) a ausência de destinação social do empreendimento habitacional previsto e b) a situação da comunidade remanescente do Quilombo Mangueiras face às intervenções urbanas planejadas para a área.
Já o MPE, mediante a Ação Civil Pública nº 0588070-36.2014.8.13.0024, questiona, resumidamente, a) supostas irregularidades na cadeia dominial dos imóveis das três ocupações da Izidora; b) problema nas ações de reintegração de posse por não apresentarem precisão da real área em litigio; c) dúvidas acerca de área desapropriada na década de 90 da Granja Werneck em favor do Município de Belo Horizonte; d) parte da área já foi decretada como ZEIS, delimitada no Decreto Municipal nº 10.483/2001 e e) ausência de participação na OUI da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana – SEDRU – e da Agência de Desenvolvimento Metropolitano da RMBH, conforme Decreto Estadual nº 44.646/07.
Acesse aqui a íntegra da Lei nº 9.959/10.
Acesse aqui plano urbanístico do arquiteto Jaime Lerner.
Acesse aqui apresentação da PBH explicando a nova versão da OUI.
Acesse aqui o Decreto Municipal que suspendeu qualquer parcelamento na área do Quilombo Mangueiras.
2014 >>> peversão da OUI: o segundo sanatório
Dando continuidade à evolução perversa da OUI, desnaturando o objetivo primordial de controle e proteção do meio ambiente, a última alteração legislativa maculou de vez a própria lógica do instrumento da Operação Urbana. A Lei Municipal nº 10. 705/14, que também altera o PDBH, dispôs em suas disposições transitórias que não haverá necessidade de contrapartidas adicionais caso o empreendimento a ser instalado se digira à habitação de interesse social.
Uma vez que o empreendimento passa a ter caráter social as demais contrapartidas previstas em lei da Operação deixariam de ser exigidas. Se não, veja-se:
Art. 23 – O art. 67 das Disposições Transitórias da Lei nº 9.959, de 20 de julho de 2010, passa a vigorar acrescido dos
seguintes §§ 6º a 11:
“Art. 67 – […]
§ 6º – Não se sujeitam ao pagamento da contrapartida prevista no caput deste artigo os empreendimentos cujas unidades residenciais sejam integralmente vinculadas ao atendimento da demanda da Política Habitacional do Município, observada a seguinte proporção:
I – no mínimo 70% (setenta por cento) das unidades habitacionais destinados a beneficiários com renda familiar mensal de até 3 (três) salários mínimos;
II – percentual restante das unidades habitacionais destinado a beneficiários com renda familiar mensal superior a 3 (três) até 6 (seis) salários mínimos;
§ 7º – A configuração da hipótese prevista no § 6º deste artigo não isenta o empreendedor da realização das obras de urbanização e tampouco da transferência de percentual da gleba em decorrência das exigências relativas ao parcelamento do solo. […]
§ 11 – A execução das obras de infraestrutura e a implantação dos equipamentos urbanos e comunitários correspondentes aos Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social, exceto se decorrentes do licenciamento do empreendimento e da consequente aprovação do parcelamento do solo, ficarão a cargo do Município.”. (NR)
Essa alteração legal perpetrada pela Lei 10.705/14 viola o patrimônio público, pois fere de morte a possibilidade de contrapartida justa por parte dos particulares beneficiários da OUI que irão realizar o MCMV em parte da área da Izidora. Trata-se aqui do projeto levado a cabo pela empresa Direcional na área da Granja Werneck, cuja licença de instalação (LI) já fora concedida pela Secretaria de Meio Ambiente de MG.
Acesse aqui a íntegra da Lei 10.705/14.
Ressalta-se que, à revelia das instâncias soberanas de participação popular, o Município de Belo Horizonte e o Estado de Minas Gerais não se comprometeram a regularizar as três ocupações da região da Izidora, violando decisões de Conferências Municipais. Conforme a Recomendação nº 5 da 7ª Conferência Municipal de Habitação, foi indicada a “regularização das ocupações existentes na região do Isidoro transformando-as em AEIS 2”.
O instrumento da OUI está sendo utilizado para promover a urbanização da área da Isidora através do loteamento e da construção de empreendimento habitacional social via Minha Casa Minha Vida, violando o patrimônio público mediante as seguintes irregularidades:
(i) mau uso das contrapartidas da Operação Urbana Simplificada, violando o Plano Diretor Municipal (Lei 7.165/1996) e o patrimônio público, uma vez que a OUI está isentando os particulares beneficiários do instrumento de devolverem à sociedade os benefícios que obtiveram (as contrapartidas previstas são irregulares e estão maquiadas), como no caso da isenção escorada na implementação de MCMV em parte da área;
(ii) descumprimento das exigências da Lei de Parcelamento nacional e municipal (Lei 6766/79 e Lei 7.166/96, respectivamente), passando por cima da obrigação dos particulares de arcar com os custos da urbanização da área a ser loteada, transformando a obrigação legal de abrir vias e implantar infraestrutura, por exemplo, em contrapartida da Operação Urbana (exemplo da maquiagem e ginástica legislativa para mascarar o mau uso das contrapartidas);
(iii) fragmentação do licenciamento ambiental dos empreendimentos no interior da área da Operação Urbana de forma a evitar a compreensão sistêmica dos projetos concernentes à totalidade da área do Isidoro e a mascarar a irregularidade das contrapartidas.
Quais as ações do Grupo Indisciplinar na Izidora?
1. Participação na Rede de Apoiadores das Ocupações Urbanas em MG, da Rede Resiste Izidora e da Mesa de Negociação de Conflitos Fundiários com Estado de MG.
Acesse aqui a fanpage do Resiste Izidora.
Acesse aqui fotos e imagens do Seminário sobre Conflitos Fundiários, em março de 2015, com participação da Professora Raquel Rolnik, com a Rede de Apoiadores das Ocupações Urbanas.
2. Disciplina UNI 009 – Cartografias Emergentes III: ministrada pela professora Natacha Rena na Escola de Arquitetura da UFMG, a disciplina é uma oficina multidisciplinar aberta para toda a graduação da UFMG e pretende a elaboração de cartografias enquanto pesquisa experimental envolvendo as lutas urbanas na Região Metropolitana de Belo Horizonte e, no primeiro semestre de 2015 envolve as três ocupações da região da Izidora, Rosa Leão, Vitória e Esperança.
A disciplina também está associada ao Programa de extensão IND.LAB – Laboratório Nômade do Comum – que envolve atores e grupos de diversos movimentos sociais e vem utilizando a cartografia enquanto método (ou anti-método) composto por diversos dispositivos tecnopolíticos afetivos que atravessam o trabalho focado no processo. Acredita-se ser possível utilizar o método cartográfico através da produção de cartografias emergentes enquanto ação de investigação engajada, ou seja, enquanto copesquisa militante. Aposta-se, dessa forma, no método cartográfico, no sentido deleuzeano do termo, para contribuir com a configuração de processos constituintes, nos quais possamos vislumbrar maneiras de mapear, de registrar e de criar novas realidades, de forma colaborativa.
Acesse aqui o mapa colaborativo: culturabh.crowdmap.com.
3. Copesquisa envolvendo três pesquisas de pós-graduação, duas de mestrado, Joviano Mayer, Escola de Arquitetura da UFMG e Arthur Nasciutti Prudente, Faculdade de Direito da UFMG, uma de doutorado, Julia Ávila Franzoni, Faculdade de Direito da UFMG.
4. Representação ao Ministério Público de Minas Gerais, Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, denunciado as violações ao patrimônio público pela Operação Urbana da Izidora.
Acesse aqui a íntegra da representação.
Entendendo a disputa pela produção do espaço na Izidora: Ocupações X MCMV
As três ocupações da Izidora, Rosa Leão, Esperança e Vitória são alvo de 4 (quatro) Ações de Reintegração de Posse, com ameaça iminente de despejo.
1) Ação de Reintegração de Posse nº 2427246-06.2013.8.13.0024, distribuída em 24/07/13 e proposta pelo Município de Belo Horizonte.
2) Ação de Reintegração de Posse nº 2978891-13.2013.8.13.0024, distribuída 30/07/13 e proposta por Paulo Henrique Lara Rocha e outros.
3) Ação de Reintegração de Posse nº 3042606-29.2013.8.13.0024, distribuída em 08/08/13 e proposta pela Granja Werneck S/A.
4) Ação de Reintegração de Posse nº 3135046-44.2013.8.13.0024, distribuída em 03/09/13 e proposta por Ângela Maia Furquim Werneck.
As comunidades das ocupações têm contado com a colaboração do Coletivo de Advogadxs Populares Margarida Alves, que também integra a Rede de Apoiadores do Resiste Izidora.
Além dessas ações judiciais, as ocupações disputam a produção do espaço da Izidora com a instalação de empreendimento do Minha Casa Minha Vida no local. Diversas denúncias têm sido dirigidas ao principal Programa Habitacional do Governo Federal, tanto oriundas de setores universitários, quanto de movimentos sociais populares.
De um ponto de vista geral e estrutural, a academia tem se organizado para enfrentar as complexidades do Programa MCMV. Lançado no XV Encontro Nacional de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (ENANPUR), o livro “Minha Casa… E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros”, é uma publicação referência para o balanço dos primeiros cinco anos do maior programa de habitação do país. A obra analisa as diferentes fases do programa, a qualidade construtiva e arquitetônica, e os impactos urbanísticos e sociais dos empreendimentos, e mais os efeitos sobre a vida das famílias e dos indivíduos atendidos.
Para o download do livro acesse aqui.
Movimentos sociais como a Comissão Pastoral da Terra e as Brigadas Populares, já apresentaram diversos argumentos que comprovam as contradições do MCMV e as possíveis irregularidades de sua implementação, não negociada, na área onde estão hoje as ocupações da Izidora. Sobre o tema:
Entenda o Conflito Direcional x Ocupações da Izidora. Subsídio 2., por frei Gilvander Moreira.
Por que não é justa a proposta da Construtora Direcional para as famílias da Izidora?
As informações aqui apresentadas e divulgadas fazem parte de material que vem sendo produzido em rede com diversos apoiadores, como o Escritório de Integração da PUC/MG; o Grupo de Pesquisa Práxis da EA-UFMG; o Polos Cidadania, da FD-UFMG; Grupo de Pesquisa Cidade e Alteridade da FD-UFMG; Arquitetos Sem Fronteira (ASF); Coletivo de Advogadxs Populares Margarida Alves; Comissão Pastoral da Terra (CPT); Brigadas Populares (BSP); Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB).