COMO COMEÇOU O NOVA BH
O QUE ESTÁ POR TRÁS DO NOVA BH
“Eu vim aqui para trazer uma boa notícia para o mercado imobiliário: vamos criar terrenos em Belo Horizonte”. Nestes termos, o Secretario Adjunto de Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte e economista, Marcello Faulhaber iniciou palestra no auditório da OAB-MG para as maiores autoridades do mercado imobiliário mineiro. Foi durante o Seminário Mineiro de Direito Urbanístico, organizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos Imobiliários, que Marcelo Faulhaber apresentou a mega Operação Urbana Consorciada que seria lançada nos próximos dias: um ótimo negócio para o mercado imobiliário batizado com o nome Nova BH. Na dita palestra, Marcello Faulhaber conceituou as OUCs como um pacto entre a cidade e o mercado imobiliário e sustentou que é um excelente negócio para o mercado, e por isso, tão bem sucedidas.
A notícia dada por Faulhaber, empolgou a platéia. Não sem motivo, pois os títulos mobiliários emitidos nas Operações Urbanas, os chamados CEPAC’s, valorizaram 105,5% ao ano no projeto Porto Maravilha, na cidade do Rio de Janeiro, segundo informou o próprio secretario adjunto a título exemplificativo.
Em 2010, foi aprovada a lei municipal nº 9959 que revisou o Plano Diretor do município que tratou de demarcar quase 30% do território da cidade para realização de Operações Urbanas Consorciadas, sobre áreas que devem ser prioritariamente adensadas: principais corredores viários, entorno dos principais corredores de transporte coletivo, entorno das estações do BHBus, e Vetor Norte.
Os principais eixos da OUC Nova BH foram os corredores das Avenidas Antônio Carlos/Pedro I somado aos corredores das Avenidas Andradas, Tereza Cristina e Via Expressa, abrangendo toda a extensão do Vale do Arrudas (eixo leste-oeste).
O cenário se agrava em dezembro de 2011, quando a Prefeitura autoriza as construtoras Andrade Gutierrez, Barbosa Mello e Odebrecht desenvolverem os estudos urbanísticos, econômico-financeiros e jurídicos para implantação de área de especial interesse urbanístico do Vale do Rio Arrudas, através de uma Concessão Comum ou Parceria Público-Privada. Essa Operação Urbana, diretamente concebida pelo capital privado, foi alçada à prioridade estratégica da política urbana municipal, atropelando as demais OUCs em estudo, para não falar dos Planos Diretores Regionais. Nesse caso a OUC Nova BH permitiu, por exemplo, a alteração dos padrões urbanísticos atuais para viabilizar o empreendimento que foi publicizado pelo escritório Farkasvölgyi como Complexo Andradas. Um projeto que ultrapassaria e muito os atuais coeficientes construtivos permitidos para aquela região, ao qual a Prefeitura declarou imediato apoio, a despeito das graves implicações sociais, ambientais e patrimoniais do projeto. Com previsão de 85 andares (350 metros de altura), 500 mil metros de área construída, arena multiuso com capacidade para 40 mil pessoas, 10 mil vagas de estacionamento, e um imenso gramado projetado, coincidentemente, sobre a favela do bairro: a Vila Dias. Um projeto que adota uma densidade urbana pouco heterogênea baseada em grandes torres, argumentando-se em favor de aumento da área livre e verde no nível do solo, e que conforma na verdade uma troca de cenário da cidade.
Todos esses planos e projetos são acompanhados por belas e sofisticadas representações visuais indicando os resultados finais dessas intervenções do Poder Público, diretamente ou em parceria com o setor privado. São imagens preparadas pela equipe técnica da própria PBH ou por escritórios de arquitetos e urbanistas locais, nacionais e cada vez mais internacionais (da Inglaterra e da Cingapura, dentre outros) contratados pela PBH e pelo Governo do Estado, ou mesmo contratados diretamente pelo setor privado, promotores imobiliários e proprietários de terras. Usando das infinitas possibilidades da tecnologia contemporânea, tais representações visuais dos resultados dos planos e projetos uma vez completados são inegavelmente atraentes, sugerindo que Belo Horizonte estaria se transformando uma cidade afluente, ordeira, moderna. Prédios maravilhosos, torres altíssimas, construções sofisticadas, bosques a perder de conta, equipamentos públicos abundantes e áreas de lazer por todo lado: parece que Belo Horizonte estaria se transformando em uma cidade realmente internacional, com uma forte ênfase na preservação ambiental, e que poderia sem problemas ser comparada com outras cidades globais.
Entretanto, a população da Lagoinha — que soube do decreto de desapropriação de uma área de aproximadamente 1 km² para a construção de um novo Centro Administrativo Municipal pelos jornais –, do Santa Tereza, da Pampulha e de todos os outros bairros que seriam afetados pela OUC Nova BH, ainda não tinha sido sequer informada do projeto detalhado por Marcello Faulhaber aos representantes do mercado imobiliário presentes no seminário em questão, apesar dos contratos de estudos da OUC terem sido assinados há mais de um ano pela prefeitura, de acordo com as publicações no Diário Oficial Municipal.
Neste contexto, da forma como vem sendo concebidas em Belo Horizonte, as Operações Urbanas Consorciadas reforçarão a segregação e as desigualdades socioespaciais através da produção de espaços fragmentados, hipervalorizados e excludentes. As áreas periféricas da cidade, que mais necessitam de investimentos e esforços públicos, poderiam estar sendo planejadas com o uso de instrumentos mais redistributivistas e participativos, caso as OUCs não houvessem ascendido à posição de primazia inconteste na política urbana municipal.
Entretanto, a primazia que as operações vêm assumindo sobre os demais instrumentos de planejamento urbano previstos no Plano Diretor municipal é extremamente clara, e evidencia a crescente subordinação da política urbana aos interesses privados de proprietários fundiários, incorporadoras imobiliárias e grandes empreiteiras do ramo da construção civil, notórios financiadores de campanhas e dos partidos políticos que se revezam no nefasto jogo do poder municipal.
Em tempos de cidade empresa, cidade de exceção, democracia direta do capital e outros conceitos que compõem o pano de fundo da chamada crise urbana que levou milhões de brasileiros às ruas em junho, inegavelmente a disputa pela cidade possui uma dimensão revolucionária. Nesse cenário, o projeto Nova BH representou o que há de mais repulsivo na lógica do empreendedorismo urbano.